Boas notícias para o Brasil: a Vide Editorial publica uma nova edição das célebres Reflexões sobre a Revolução na França, de Edmund Burke. Aqui fica um excerto do prefácio, escrito por este vosso criado:
“Faz parte de uma leitura pouco cuidada de Burke a ideia de que o autor, nas Reflexões, nega a existência de “direitos do homem”, entendidos como direitos abstractos, naturais, pré-políticos, que pertencem ao homem enquanto homem desde tempos imemoriais do estado de natureza. É uma interpretação errónea porque Burke, longe de negar a existência de tais direitos, reafirma-os com particular veemência. Antes do homem entrar em sociedade, direitos como a auto-defesa ou a liberdade, por exemplo, eram vividos in toto.
Acontece que, numa sociedade política, não é possível continuar a desfrutar de tais direitos como se o homem ainda habitasse a “sociedade natural”. A auto-defesa podia ser uma condição de sobrevivência quando se habitava a selva. Mas, em sociedade, a segurança deve ser mantida pelo Estado – e a administração da justiça repousa nas mãos dos seus magistrados.
De igual forma, a liberdade, no sentido primitivo do vocábulo, poderia ser plena antes da emergência da sociedade política. Mas viver em sociedade significa prescindir dessa liberdade extrema e limitá-la pela força da lei – limitações que “variam de acordo com os tempos e circunstâncias e admitem infinitas modificações”. Para Burke, falar de liberdade em sociedade é falar de “uma liberdade viril, moral e regrada”. Isso implica, e ainda segundo o autor, “misturar esses elementos opostos de liberdade e restrição.”
Por outras palavras: a oposição burkeana não se estrutura contra uma ideia de “direitos do homem”. A hostilidade está, antes, à pretensão dos revolucionários em transferir tais direitos do estado de natureza para o estado social, acarretando com tal imprudência a destruição deste último. “Os homens não podem apreciar os direitos de um Estado organizado e de um desorganizado simultaneamente”. E acrescenta: “Para que ele possa obter justiça, desiste do direito de determinar o que lhe é mais essencial. Para que ele possa garantir alguma liberdade, faz um voto de confiança e abre mão da totalidade dela.”
Trata-se de uma posição que, no entender de John MacCunn, sinaliza a profunda originalidade de Burke no contexto revolucionário do século 18. Na análise deste comentador, a discussão sobre os legítimos “direitos do homem” podia adquirir duas respostas distintas. Em primeiro lugar, existiriam os “dogmáticos” que remeteriam qualquer discussão sobre este assunto para constituições, códigos ou qualquer outro documento abstractamente elaborado. Os direitos funcionariam, assim, como “ultimatos políticos” ao poder estabelecido.
Não é esta a visão de Burke: os reais direitos do homem sofreram “refrações e reflexões” ao longo do tempo, alterações que os modificaram na sua simplicidade original. Eles foram acomodados e articulados através das eras por comunidades historicamente situadas – e é a partir dessa experiência histórica que eles devem ser entendidos, vividos, eventualmente refinados.”