João Pereira Coutinho

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Doenças imaginárias

28 Abril, 2017 by João Pereira Coutinho

CRÍTICOS REFINADOS, entre os quais me incluo, gostavam de um Presidente da República mais recatado e imparcial. Que o mesmo é dizer: alguém que não estivesse em todas as latitudes pátrias nas 24 horas do dia e, já agora, que não andasse em tournée permanente com a banda António Costa.

Sobre a omnipresença de Marcelo, partilho uma confissão: já sonhei com ele. Eu, na sala de casa, a dormitar com a decadência própria da meia-idade. Subitamente, Marcelo entra com as câmaras atrás e eu, estremunhado, caio abaixo do sofá. O Presidente está ali para medalhar o meu pijama. Acordo, banhado em suor. Que fazer?

Aparentemente, nada: os críticos refinados falam da “dignidade” do cargo, da importância “moderadora” do Presidente e da imperiosa necessidade de o mesmo não se deixar arrastar pelas contingências partidárias. Marcelo não nos ouve e reforça continuamente a dose. Pois bem: creio que é preciso usar o argumento definitivo.

Por estes dias, li algures que o Presidente da República é um confesso hipocondríaco. Tenho dúvidas: hipocondríaco sou eu. E qualquer hipocondríaco profissional sabe que ler as bulas dos medicamentos, como Marcelo faz, é um erro de principiante. Um hipocondríaco profissional – repito: profissional – sabe que a leitura das bulas inicia um processo de efeitos secundários que, em poucas horas, suplanta qualquer doença real. Mas se a hipocondria é genuína, e o Presidente vive horrores com uma úlcera desde a adolescência, como é que ninguém lhe recordou que uma inquietude excessiva não contribui para amansar a fera? Nem a fera nem uma lista generosa de maleitas – pressão arterial elevada, diabetes, problemas de coração – que, mil perdões, já me estão a provocar uma taquicardia preocupante.

Se juntarmos à inquietude do dia a quietude da noite – quatro horas de sono? a sério? – podemos concluir que o nosso Presidente caminha sobre gelo fino. Críticos refinados, entre os quais me incluo, já gritavam de desespero: “Pare um bocadinho, homem, pela nossa saúde.” Erraram por pouco. Afinal, é pela saúde dele.

AINDA ME LEMBRO, com as lágrimas nos olhos, desses tempos heróicos em que o jornalismo português tomava uma posição corajosa sobre os assuntos do mundo.

Em 2004, se a memória não me falha, o saudoso diário A Capital chegou a declarar o seu apoio a John Kerry contra George W. Bush. Verdade que Bush venceu as presidenciais americanas e A Capital fechou. Mas ficou o aviso: o jornal que os portugueses não liam era consumido com vigor na Pensilvânia e no Minnesota, que votaram no Democrata. Menos mal.

Passaram treze anos. Não passou a nossa ambição de influenciar os destinos do planeta. O Público, por exemplo, achou importante noticiar que o Livre apoia Emmanuel Macron contra Marine Le Pen na segunda volta das presidenciais francesas. O que é o Livre? Ah, leitor ingrato. Então não se lembra das legislativas de 2015?

É natural. O Livre também prefere não se lembrar. Mas eu refresco a memória: o Livre é uma associação de beneméritos fundada por Rui Tavares e dois primos que conseguiu 0,7% dos votos. Ou, para os íntimos, metade, ou quase, dos votos em Arnaldo de Matos.

Felizmente, o desprezo e o riso que os portugueses dedicaram ao Livre é uma vez mais compensado pelo reconhecimento internacional. Fontes ouvidas pelo cronista garantem que Emmanuel Macron, confortado com o apoio, já mandou redecorar o Eliseu. Marine Le Pen, em lágrimas, pondera seriamente a desistência.

E AS VACINAS DO SARAMPO?

Acompanhei o caso na televisão e, sem aviso prévio, um anestesista assaltou o ecrã para dizer: não existe nenhum estudo que prove uma relação consequente entre a vacina e o autismo; mas também não existe nenhum estudo que prove essa inexistência.

A Ordem dos Médicos, pelos vistos, não gostou deste raciocínio científico e abriu um inquérito disciplinar. Não sei porquê. O contributo do anestesista é revolucionário e abre uma nova porta para o conhecimento humano.

Eu, por exemplo, defendo há vários anos que existe uma relação directa entre a disfunção eréctil e a opção pelas juventudes partidárias. Não existe nenhuma prova de que assim é? Certo. Mas também não existe nenhuma prova de que assim não é.

Artigo publicado na íntegra na revista Sábado desta semana

Photo credit: Puzzler4879 Thanks for 5M Views!! via Foter.com / CC BY-NC

Filed Under: Escritas, Sábado Tagged With: A Capital, Emmanuel Macron, França, George W. Bush, John Kerry, Jornalismo, Livre, Marine Le Pen, O Público, Rui Tavares

Dentro de casa

14 Janeiro, 2017 by João Pereira Coutinho

Leio todos os jornais nacionais pela manhã. Com a esperança lorpa de encontrar por lá investigação séria e independente; reportagens longas e literariamente cuidadas; e opinião articulada e livre.

É uma esperança que dura pouco: à minha frente, e tirando todas as excepções da praxe, aquilo que encontro são fretes políticos mal disfarçados (e que aumentam nos governos PS); panfletos vagabundos com as causas ‘fracturantes’ do momento; e um enxame de ‘políticos’ (oficiais ou oficiosos) a medrar as suas ‘agendas’.

Sem surpresa, este cenário não entusiasma os leitores; e a imprensa, de ano para ano, afunda – em vendas e publicidade.

Os jornalistas podem debater as razões do naufrágio e amaldiçoar a internet com fanatismo. Só espero que, no meio da lamúria, haja por lá uma voz temerária para lembrar que a crise dos jornais não vem apenas de fora; ela começa de dentro.

Artigo publicado no Correio da Manhã

Photo credit: perldude via Foter.com / CC BY-NC-SA

Filed Under: Correio da manhã, Escritas Tagged With: Jornalismo, Política, Propaganda

A cobardia não vende

28 Novembro, 2016 by João Pereira Coutinho

Morte de Fidel mostrou cobardia do jornalismo.

Uma pessoa acorda, sabe da morte de Fidel Castro e, ainda na cama, fecha os olhos e vê o filme do dia: um longo cortejo de comediantes a falar de um ‘líder histórico’ (como Salazar?), um político ‘controverso’ (como Mussolini?) e alguém que será ‘julgado pela história’ (como Hitler?). Depois, com a passagem das horas, a previsão confirma-se.

Longe de mim criticar as taras de cada um: o exercício é cansativo e a imbecilidade, ao contrário da ignorância, não tem cura. Um pormenor, porém, não deixa de me provocar certa urticária: como é possível que o nosso jornalismo engula e promova essa imbecilidade sem questioná-la com factos – a miséria de Cuba, os presos políticos, os milhares de mortos, os náufragos, etc.?

Dizem que o jornalismo está em crise: são as vendas, a publicidade, a internet. Certo. Mas a crise do jornalismo também se explica com a cobardia do jornalismo.

Artigo publicado no Correio da Manhã

Photo credit: marfis75 via Foter.com / CC BY-SA

Filed Under: Correio da manhã, Escritas Tagged With: Comunismo, Cuba, Fidel Castro, Hitler, Jornalismo, Mussolini, Salazar

Do mal, o menos

10 Abril, 2016 by João Pereira Coutinho

Ler jornais é contemplar um país devastado pela corrupção

Ainda ninguém fez essa experiência: ir aos arquivos, desenterrar os jornais de há 20 anos e elaborar uma lista com os políticos, os banqueiros, os homens do desporto, os grandes empresários e toda a gente que era gente em finais do século XX. Depois, era pegar na lista e ver o trajecto judicial de grande parte da nossa ‘elite’. Há de tudo: cadeia; ruína económica (e moral); indícios de criminalidade variada; e casos incuráveis de amnésia (‘não sei’, ‘não me lembro’) que faz de Portugal um vespeiro de dementes. Ler a imprensa de hoje – dos ‘Panama Papers’ ao nosso banditismo bancário, político, desportivo – é contemplar um país devastado pela incompetência e pela corrupção. A coisa é tão normal que já nem provoca fúria; apenas tédio e anestesia.

Não sei o que será o mundo em 2036. Mas se as denúncias de agora oferecerem ao futuro um passado mais limpo, do mal, o menos.

Artigo publicado no Correio da Manhã

Photo credit: Mark Strozier via Foter.com / CC BY

Filed Under: Correio da manhã, Escritas Tagged With: Corrupção, Jornalismo, Panama Papers

Terceiro Mundo

10 Janeiro, 2016 by João Pereira Coutinho

Estado a sustentar jornais é uma aberração de Terceiro Mundo

Nos últimos tempos, instalou-se por aí uma discussão analfabeta sobre o ‘futuro do jornalismo’.

Para resumir a aberração, eis a tese: os jornais dão prejuízo; donde, é preciso questionar se o Estado (leia-se: o poder político) não devia sustentar (leia-se: nacionalizar) a própria imprensa. A coisa começou na cabeça de plumitivos que pelos vistos precisam da gamela pública para sobreviver. Mas agora parece que a presidente do Sindicato dos Jornalistas também entrou na carroça, por considerar que a democracia pode estar em risco. Para a sr.ª presidente, a democracia só não estará em risco se o poder controlar os jornais (e não o contrário).

Verdade que Portugal sempre foi um país bizarro, com políticos-comentadores e a persistência de um serviço público de informação. Mas mesmo pelos padrões do Terceiro Mundo lusitano, estes mendigos não deixam de nos envergonhar.

Publicado no Correio da Manhã

Photo credit: Nicolas Alejandro Street Photography via Foter.com / CC BY

Filed Under: Correio da manhã, Escritas Tagged With: Imprensa, Jornalismo

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